E
o dia de hoje tinha tudo pra ser normal. Daqueles dias em que as nossas vidas
tomam o rumo que sempre gostam de tomar. Acordar, tomar uma dose significativa
de coragem junto com o café da manhã para encarar mais uma jornada diária.
Assim como esperar que a disposição goteje pelo chuveiro misturada à água.
Subir em ônibus lotados, passar boa parte do tempo diário estudando,
trabalhando, ou honrando um compromisso qualquer. Ao final do dia usando a
esperança de voltar pra casa e aproveitar o pouco tempo que nos sobra para
recomeçar o ciclo diário.
Ansiamos
quase todos os dias para que as nossas rotinas sejam diferentes. Que aconteça
uma coisa, por mínima que seja que nos tire deste marasmo que se tornou a vida
urbana. Esporadicamente elas acontecem. Mas a vida é radical no modo de nos
fazer sair da rotina. Usa-se dos meios mais extremos para nos tirar o chão e
mudar nossos hábitos, ainda que momentaneamente. Em geral é escolhida a opção
mais recorrente, por isso preferida daquele bichinho chamado destino: a morte.
E a morte levou mais um. Quem tem entre 19 e 25 anos sentiu muito mais a perda
da madrugada de hoje. Alexandre Magno Abrão, ou Chorão como ficou conhecido por
todo o país, se despediu sem dar “adeus”.
A
partir da notícia, começam as duas vertentes tradicionais e opostas no que diz
respeito à morte: as homenagens e as críticas, tanto a quem homenageia quem se
foi quanto ao próprio artista. Bandas como Guns N’ Roses prestaram homenagens
em seu perfil oficial no Facebook,
assim como outros milhares de fãs (ou nem tão fãs assim) sacramentaram a
despedida, ainda que em via de mão única. Admito que eu sou da segunda parcela
de pessoas. Nunca me considerei um fã de Charlie Brown Jr. A prova cabal foi o
meu “afastamento” do som da banda quando o mesmo começava a entrar numa
sequência ininterrupta de baladas românticas. Mas a morte de Chorão me fez
refletir sobre a minha infância. Com os 21 anos batendo na porta me vieram
lembranças de 10, 12 anos atrás. Mergulhei num momento de nostalgia que eu não
sei ao certo quanto tempo durou.
Lembrei
das atitudes despojadas do mentor da banda. Frases polêmicas, apresentações
memoráveis, uma atitude de bad boy que agradava a todos, tanto a crítica,
quanto o público, que já começava a se formar em sua maioria por meninos e
meninas... Jovens que viam no trejeito desbocado do vocalista transmitido em
letras, roupas e declarações um ídolo. Talvez o primeiro ídolo vivo de muitos
deles. Lembro que passava as tardes vendo clipes na MTV e o Charlie Brown era
presença quase que garantida por causa dos anseios do público. Lembro que
“Nadando com os Tubarões” (2001) e “Bocas Ordinárias” (2002) eram tratados como
artigos de luxo e cobiça de quem não tinha estes álbuns para escutar. Sim.
Viver numa época em que a música digital não era tão abundante fazia com que
simples discos virassem grandes aquisições.
Lembro
que todos sabiam todas as letras. Que os pais das crianças ficavam contrariados
com seus filhos falando palavrões tão cedo, mas aceitavam, já que a corrente
era forte demais para se remar contra. Era um efeito parecido com o que os
Mamonas Assassinas tiveram em sua meteórica carreira. Em menor escala os
Raimundos também provaram do gosto de ser polêmico e popular ao mesmo tempo. Os
Mamonas acabaram por mais uma ação do destino. Os Raimundos definharam por si
só. Mas Charlie Brown ficou.
Ficou
pra reinar absoluto na mente dos jovens, sobretudo depois do lançamento do seu
álbum acústico, em 2003. Era mais um “troféu” de quem admirava a banda mais
popular da época. Era a consagração da carreira de uma banda, que coincidia com
o auge da maior emissora musical da TV aberta do Brasil. O “Acústico MTV (Charlie
Brown Jr.)” marcou a curva da parábola da emissora de TV e da banda santista. A
primeira ainda teve uma sobrevida maior. Após isso vieram as crises internas na
banda, as mudanças de som, novas formações (saindo Marcão, Renato Pelado e
Champignon e entrando Thiago Castanho, André Ruas, o Pinguim e Heitor Gomes,
respectivamente). Gravaram o mesmo número de CDs e DVDs depois das
turbulências: quatro. Mas composições como “Dias de Luta, Dias de Glória”,
“Lutar pelo que É Meu”, “Me Encontra” “Céu Azul” e “Só os Loucos Sabem” não
tiveram o mesmo brilho e identidade de “Rubão, o Dono do Mundo”, “Papo Reto”,
“Proibida Pra Mim” e “Zóio de Lula”, clássicos que lançaram a banda ao patamar
do estrelato quase que absoluto.
Pra
mim o som “azedou”. Para outras pessoas o contrário aconteceu. Admiradores se
perderam no meio do caminho, mas Chorão e sua turma ganhou muitos outros. E bem
mais fieis. A nova vertente da banda acertou em cheio mais e mais jovens. Pessoas
que encontravam em suas músicas “uma palavra amiga, uma notícia boa”. Chorão e
suas letras, muitas delas feitas de improviso, ajudaram muita gente. Mas o que
ninguém sabia, nem os fãs mais íntimos, era que o próprio Chorão precisava de
ajuda. Compartilho da ideia de que, ao confortar outras pessoas, Chorão também
encontrava a paz no seu coração em meio a tantos problemas. Separar-se da sua
esposa deve ter sido apenas um deles. Elementos de uma barra que ficou pesada
para qualquer mortal segurar. Enquanto a polícia tenta desvendar os mistérios
acerca da morte do cantor e letrista, resta aos fãs esperar. Esperar,
relembrar, sorrir, chorar, se divertir e continuar a sentir os efeitos da
música como se ele ainda estivesse por aqui.
E
assim foi mais um grande nome da música brasileira. Segundo alguns o mais
representativo e de imagem mais semelhante à de Renato Russo, eterno líder da
banda Legião Urbana, que, assim como Charlie Brown Jr., tem chances quase que
totais de acabar após a morte do seu grande líder. Chorão deixou saudades pra
quem via nele um ídolo, um espelho, um exemplo, ainda que controverso como a
maioria dos rockstars. Agora ele tem um céu azul inteiro pra desfrutar e ver o
pôr do sol só pra fazer nascer a lua.
Musiquem-se!
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