Dia
23 de julho de 2011... Acordei tarde (como na maioria dos dias) e me
mandei rapidinho pro shopping. Sem tempo algum de assistir TV, muito menos
ouvir rádio. Tinha um encontro marcado para aquela tarde. Quando a gente se
diverte o tempo costuma passar bem mais rápido. E foi assim naquele dia.
Cheguei na hora dos telejornais noturnos em casa. Novamente sem ter prestado
atenção no mundo que me cercava, parte pela felicidade do excelente encontro,
parte pela falta de tempo em me atualizar. O fato foi que ao chegar no meu lar
vejo pela TV uma casa em um bairro pacato isolada por fitas, policiais no entorno do
local e ambulâncias típicas de Londres. Deduzi de pronto que alguém de lá havia
morrido. Logo em seguida meu pai, que provavelmente estava bem mais antenado
que eu, inicia um breve diálogo antes do nosso jantar com a minha mãe:
- Amy Winehouse morreu, foi? –
perguntou ele com aquele ar de quem já sabia a resposta.
- Claro que não, pai! – respondi. –
Que pergunta mais besta essa... – complementei com um tom de evidente deboche.
Mas
o “besta” da situação tinha sido eu. Não consegui decretar aquele dia 23 como o
escolhido para representar o ato final da crônica de uma morte anunciada. De fato o destino
pregou essa peça em mim. Amy Winehouse estava morta.
Milhares
de pessoas também embarcaram no mesmo bote que eu. Todas meio perplexas,
surpresas ou perdidas pela perda da cantora, ainda que a pedra tivesse sido
“cantada” há pelo menos um ano. Os mais preparados antevendo o quase
óbvio fizeram até um bolão
onde o vencedor ganharia um iPod Touch caso acertasse a data mortis da cantora.
Houve um vencedor, mas será que ele colocou no seu iPod um pouco da enorme
contribuição que a cantora londrina deixou em terra? Sempre fiquei com essa
dúvida pairando na mente.
Temperamento
explosivo, vida conturbada, polêmicas quase que diárias, uma vida com álcool e
drogas fazendo parte do cotidiano... Convenhamos que este seja uma espécie de “perfil-padrão”
do stylelife de grandes artistas do
cenário musical do mundo. Com Amy não foi diferente. Porém detesto falar disso.
Embora os artistas enquanto figuras públicas sejam (ou deveriam ser)
exemplos de conduta para seus seguidores, quem está do outro lado do palco
talvez nunca entenda a relação das drogas com os artistas. Também não me
esforço tanto pra entender. Me resumo apenas à arte, se possível for. Assim
como sou contra publicar fotos à la legistas (fotos tiradas com o corpo das
pessoas exatamente do jeito que foi encontrado). Mas falar deste tipo de
oportunismo e sensacionalismo não é o objetivo do post. Porém digo que nem ela, nem nenhum artista, é digno de tanta perseguição.
Começo
a me convencer que a genialidade se desenvolve muito mais nas pessoas
problemáticas. Ou seria o perfil problemático que se desenvolve melhor nas
pessoas geniais? Não sei, mas Amy resolveu criar estes dois titãs dentro de si
até quando um deles resolvesse insurgir. Infelizmente o que não podia vencer,
venceu. O vício em “amor e outras drogas” acabou por ser letal para ela. Amou
muito e viveu intensamente, até que as suas forças se exaurissem. Mas como
disse, prefiro falar apenas da genialidade deste ícone da música.
Amy
foi a representação-mor de mais uma Invasão Britânica pelo mundo. Depois dos
Beatles nos anos 60, Pink Floyd e Queen nos anos 70, o New Wave britânico dos
anos 80 e as Spice Girls nos anos 90, várias cantoras-solo dominaram as paradas
britânicas, americanas e mundiais. Amy Winehouse puxou a fila, seguida de Kate
Nash, KT Tunstall, Lily Allen e Adele. Inegavelmente Amy e a sua “influenciada”
Adele foram o supra-sumo dessas artistas anteriormente citadas. Duas vozes
excepcionais e que raramente deixam de ser comparadas pelos críticos modernos.
Para mim as vozes se equivalem, com certa vantagem para Adele, mas a grande
diferença está no estilo musical das duas. E é justamente aí que a estrela de Amy
brilha mais intensamente.
Uma
sonoridade própria, com elementos de Soul e Jazz marcantes da década de 60,
mas, paradoxalmente, com elementos musicais muito contemporâneos. Instrumentos
de sopro, piano, linhas de baixo bem destacadas, assim como os trechos de percussão bem
trabalhados com baterias e pandeiros... Tudo isso dá a oportunidade para que os ouvintes façam
uma viagem no tempo. Basicamente o que Amy fazia era um sucesso absurdo há 50
anos com os conjuntos de Soul da gravadora Motown, uma das mais importantes da
época. Mas a sua voz incrível e suas letras inteligentes fizeram com que
qualquer comparação com os grandes da época ficasse apenas no campo
instrumental. Como artista ela era única.
Maquiagem
e penteados que ressurgiram para marcar um estilo único e comprovar que ela era
uma Diva do Soul em uma versão “Século XXI”. A válvula de escape perfeita para
quem, assim como eu, não é muito fã de artistas pop, boybands, girlbands e
afins. Atrevo-me até a dizer que Amy usou sua música pra “converter” alguns dos
adoradores de boybands. Converteu com o seu talento puro. Com um número
irrisório de recursos eletrônicos tanto em sua voz quanto nas belas harmonias
musicais. Com a sua voz potente e delicada ao mesmo tempo. Conseguiu nos
lembrar de um tempo onde alguém só conseguia colocar os pés em algum estúdio de
gravação se o talento lhe falasse ao pé do ouvido todos os dias.
Tentei
fugir dos clichês, embora o da “morte anunciada” fosse inevitável de se
esquivar. Falo muito mais como um admirador do trabalho dela do que como um fã.
Porém certamente Amy faz - e fará - falta. Mas quer saber de uma coisa? Talvez tenha sido
melhor assim. Quem sabe ela não tenha encontrado num plano maior a paz que todos
nós procuramos em vida? É certeza que o seu legado será passado adiante. Tanto
pelos seus fãs, quanto pelos críticos, ou pelos admiradores da boa música e por você que
está lendo este artigo hoje. Descanse em paz, Amy. Por tudo que fez, você merece.
Musiquem-se!
2 comentários:
"We should know that she's no good". Realmente, apesar da morte iminente, a ideia de que isso fosse, de fato, acontecer em pouco tempo não convencia a maior parte de seus fãs e admiradores - que não eram/são poucos. É impossível fugir do clichê quando se trata da partida de uma personagem tão célebre: ela pode não estar mais entre nós quanto ao físico, mas, certamente, se eterniza através de sua gloriosa arte e ousadia.
Laura... Seus comentários são melhores que os meus textos... Por isso a homenagem. Raramente nascem artistas como ela. Valeu pelo comentário. Beijo!
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